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Técnicas de Punctura em Acupuntura: A Arte e a Ciência da Tonificação (Bu) e Dispersão (Xie)

  • Foto do escritor: Dr. Sergio Akira Horita
    Dr. Sergio Akira Horita
  • há 2 horas
  • 4 min de leitura
Ilustração esquemática da técnica de Tonificação (Bu) em acupuntura, mostrando a convergência e fortalecimento do Qi no ponto

Para o clínico que busca a maestria em acupuntura, o ato de inserir uma agulha transcende a mera localização de um ponto. Ele se constitui em uma intervenção terapêutica precisa, cuja intenção e efeito são modulados pela manipulação. No cerne dessa modulação estão dois conceitos fundamentais e opostos: Tonificação (补, Bu) e Dispersão (泻, Xie). Compreender e aplicar corretamente estas técnicas é o que eleva a eficácia clínica e permite um tratamento verdadeiramente individualizado.

Este artigo explora a fundo as técnicas de Bu e Xie, desde seus fundamentos na Medicina Tradicional Chinesa (MTC) até suas correlações neurobiológicas, oferecendo um guia para profissionais que desejam aprofundar sua prática.


1. Os Fundamentos na Medicina Tradicional Chinesa

Na MTC, a doença surge de um desequilíbrio. Este pode se manifestar como uma deficiência (虚, Xu) — uma falta de Qi, Xue (Sangue), Yin ou Yang — ou como um excesso (实, Shi) — um acúmulo de fatores patogênicos (ex: Frio, Umidade) ou estagnação de Qi e Xue. O objetivo do tratamento é, portanto, restaurar o equilíbrio.


Tonificação (Bu): É a técnica de escolha para as síndromes de deficiência. Seu objetivo é fortalecer, nutrir, aquecer e suportar o Qi correto (Zheng Qi) do corpo. É como "adubar a terra" para que a energia vital possa florescer.


Dispersão (Xie): É aplicada em síndromes de excesso. Seu propósito é sedar, drenar, eliminar fatores patogênicos e mover estagnações. É como "abrir as comportas" para liberar o que está acumulado e causando obstrução.


A escolha entre tonificar ou dispersar é o primeiro passo de um diagnóstico diferencial preciso.


2. O Racional das Técnicas Clássicas de Manipulação

A intenção terapêutica se traduz em ação através da manipulação da agulha. As técnicas clássicas, descritas em textos como o Huangdi Neijing (Clássico do Imperador Amarelo), envolvem a modulação de diversas variáveis:


2.1 Técnicas de Tonificação (Bu)

O objetivo é uma estimulação suave e que promova o fluxo de Qi para o ponto.

Velocidade: Inserção lenta e retirada rápida.

Rotação: Rotações lentas, com pequena amplitude e preferencialmente no sentido horário.

Levantamento e Inserção (Ti Cha): Movimentos de "pistonagem" onde a inserção (thrusting) é forte e pesada, e o levantamento (lifting) é suave e leve.

Respiração do Paciente: Inserir a agulha durante a expiração do paciente e retirá-la durante a inspiração.

Fechamento do Ponto: Após a retirada da agulha, pressionar rapidamente o ponto com um algodão para "conter o Qi" e evitar que a energia se dissipe.


2.2 Técnicas de Dispersão (Xie)

O objetivo é uma estimulação forte, que promova a saída do fator patogênico.

Velocidade: Inserção rápida e retirada lenta.

Rotação: Rotações rápidas, com grande amplitude e preferencialmente no sentido anti-horário.

Levantamento e Inserção (Ti Cha): Movimentos onde a inserção é suave e o levantamento é forte.

Respiração do Paciente: Inserir a agulha durante a inspiração do paciente e retirá-la durante a expiração.

Não Fechamento do Ponto: Após a retirada, não pressionar o ponto, permitindo que o "fator patogênico" seja liberado.

A obtenção da sensação do Deqi (chegada do Qi) é crucial em ambas as abordagens, mas na dispersão, busca-se uma sensação mais forte e irradiada.


3. A Correlação Neurobiológica: O Que Acontece Sob a Pele?

A genialidade da observação clínica dos antigos mestres chineses encontra hoje fascinantes paralelos na neurociência. As técnicas de Bu e Xie não são apenas metafóricas; elas induzem respostas fisiológicas distintas.

Tonificação e a Neuromodulação Suave: A manipulação suave e de baixa frequência (característica do Bu) está correlacionada com a ativação predominante das fibras nervosas A-delta (Aδ). Esta estimulação é conhecida por modular o sistema nervoso central, promovendo a liberação de endorfinas e encefalinas no cérebro e no tronco cerebral. Isso gera um efeito analgésico sistêmico e uma sensação de bem-estar, o que se alinha perfeitamente com o conceito de "nutrir" e "fortalecer".

Dispersão e a Resposta Segmentar Intensa: A manipulação forte, vigorosa e de alta frequência (característica do Xie) recruta não apenas as fibras Aδ, mas também as fibras C, que conduzem a sensação de dor mais difusa e profunda. Essa estimulação intensa gera uma forte resposta local e segmentar, ativando mecanismos de inibição da dor na medula espinhal (a "Teoria das Comportas"). Além disso, acredita-se que essa manipulação forte promova a liberação de dinorfinas e tenha um efeito mais robusto na desativação de estruturas límbicas associadas à percepção da dor.

Adicionalmente, a pesquisa de Helene Langevin demonstrou que a rotação da agulha causa um "enovelamento" do tecido conjuntivo subcutâneo. A manipulação vigorosa (dispersão) causa uma deformação mecânica maior, ativando fibroblastos e induzindo uma cascata de sinalização celular que pode explicar os fortes efeitos locais, como a resolução de pontos-gatilho e a liberação de substâncias como ATP e adenosina, com conhecidas propriedades analgésicas.


Conclusão

A dicotomia entre Tonificação e Dispersão é um pilar da acupuntura clínica. Longe de serem conceitos arcaicos, representam protocolos de manipulação distintos, com intenções claras e correlatos neurofisiológicos plausíveis. O domínio dessas técnicas permite ao clínico ir além da simples aplicação de protocolos de pontos, oferecendo uma terapia dinâmica, responsiva e altamente eficaz, que honra tanto a arte ancestral quanto a ciência moderna.


Referências Bibliográficas

  1. DEADMAN, P.; AL-KHAFAJI, M.; BAKER, K. A Manual of Acupuncture. Hove: Journal of Chinese Medicine Publications, 2007.

  2. LANGEVIN, H. M.; YANDELL, D. M. Relationship of acupuncture points and meridians to connective tissue planes. The Anatomical Record, Hoboken, v. 269, n. 6, p. 257-265, dez. 2002.

  3. MACIOCIA, G. Os Fundamentos da Medicina Chinesa: Um Texto Abrangente para Acupunturistas e Fitoterapeutas. 3. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2015.

  4. STUX, G.; POMERANZ, B. Acupuncture: Textbook and Atlas. Berlin: Springer, 1998.

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