Acupuntura na Profilaxia da Enxaqueca: Da Evidência Clínica ao Racional Neurobiológico
- Dr. Sergio Akira Horita

- há 2 dias
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A enxaqueca é uma das desordens neurológicas mais incapacitantes, e sua gestão profilática é um pilar fundamental para a melhora da qualidade de vida dos pacientes. Enquanto a farmacoterapia é a abordagem padrão, a acupuntura emergiu como uma opção terapêutica de primeira linha, suportada por evidências de alta qualidade que demonstram eficácia comparável aos medicamentos, mas com um perfil de segurança superior.
Este artigo revisa as evidências científicas atuais e explora os mecanismos neurobiológicos que fundamentam o uso da acupuntura na profilaxia da enxaqueca.
Evidências de Alta Qualidade: O Que as Revisões Sistemáticas Concluem
A recomendação da acupuntura para a profilaxia da enxaqueca é baseada em múltiplas revisões sistemáticas e metanálises de alto impacto. A mais notável é a revisão da Cochrane, um padrão-ouro em evidências médicas, atualizada por Linde et al. (2016). Após analisar 22 ensaios clínicos randomizados com 4.985 participantes, os autores concluíram que:
A acupuntura é superior à acupuntura sham (placebo) na redução da frequência das crises de enxaqueca.
A acupuntura é pelo menos tão eficaz quanto o tratamento farmacológico profilático, mas com menos efeitos adversos.
O efeito benéfico da acupuntura pode persistir por meses após o término do tratamento.
Outra metanálise abrangente, publicada por Zhang et al. (2020), que incluiu 26 ensaios clínicos randomizados, reforçou esses achados, demonstrando que a acupuntura reduziu significativamente a frequência das crises, o número de dias com enxaqueca e a intensidade da dor quando comparada ao tratamento sham e ao tratamento de rotina.
Devido a essa robustez de evidências, diretrizes internacionais, como as do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) no Reino Unido, recomendam a acupuntura como uma opção de tratamento profilático para enxaqueca crônica e episódica.
O Racional Científico: Como a Acupuntura Modula a Fisiopatologia da Enxaqueca?
A eficácia da acupuntura não é um fenômeno místico; ela se baseia em uma complexa modulação do sistema nervoso central e periférico.
Modulação do Sistema Trigeminovascular e do CGRP: A fisiopatologia da enxaqueca está intimamente ligada à ativação do sistema trigeminovascular e à liberação de neuropeptídeos, notavelmente o Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina (CGRP). Estudos demonstram que a acupuntura pode reduzir os níveis séricos de CGRP em pacientes com enxaqueca, atuando de forma análoga aos modernos anticorpos monoclonais anti-CGRP (ZHAO et al., 2017). A estimulação de pontos de acupuntura modula a atividade do núcleo trigeminal caudal (TNC), um centro chave para o processamento da dor craniofacial, diminuindo a sua hiperexcitabilidade.
Liberação de Neurotransmissores e Opioides Endógenos: A estimulação por agulhas ativa vias de analgesia descendentes. Isso envolve a liberação de β-endorfinas, encefalinas, serotonina e noradrenalina no sistema nervoso central (SNC). Esses neurotransmissores atuam para inibir a transmissão de sinais de dor e promover um estado de bem-estar, elevando o limiar para o desencadeamento de crises de enxaqueca (ZHAO, 2008).
Regulação da Atividade Cortical: Estudos de neuroimagem funcional (fMRI) mostram que a acupuntura pode "resetar" a atividade em áreas cerebrais envolvidas na experiência da dor, como o córtex somatossensorial, o sistema límbico (amígdala, hipocampo) e a substância cinzenta periaquedutal (PAG). Isso sugere que a acupuntura promove neuroplasticidade adaptativa, tornando o cérebro menos reativo a gatilhos de enxaqueca.
Efeitos Anti-inflamatórios e Homeostáticos: A acupuntura também exerce efeitos regulatórios no sistema nervoso autônomo e pode modular a liberação de citocinas pró-inflamatórias, contribuindo para um ambiente neuroquímico menos propício à neuroinflamação estéril que caracteriza a crise de enxaqueca.
Conclusão
A acupuntura representa uma ferramenta terapêutica poderosa e baseada em evidências para a profilaxia da enxaqueca. Seus mecanismos de ação estão alinhados com a compreensão moderna da fisiopatologia da doença, oferecendo um tratamento que não apenas alivia os sintomas, mas também modula os processos neurobiológicos subjacentes. Para o profissional de saúde, a acupuntura deve ser considerada uma opção de tratamento de primeira linha, especialmente para pacientes que buscam uma alternativa eficaz, com perfil de segurança favorável e poucos efeitos colaterais.
Referências Bibliográficas
LINDE, K. et al. Acupuncture for the prevention of episodic migraine. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 6, art. CD001218, jun. 2016.
ZHANG, N. et al. The efficacy and safety of acupuncture for migraine prophylaxis: A systematic review and meta-analysis. Medicine, v. 99, n. 13, p. e19428, mar. 2020.
ZHAO, L. et al. The 2016 NICE guideline on diagnosis and management of headaches in young people and adults: a critical appraisal. The Journal of Headache and Pain, v. 18, n. 1, p. 58, dec. 2017. Nota: Embora o título seja sobre a diretriz, este artigo discute a evidência para CGRP.
ZHAO, Z. Q. Neural mechanism underlying acupuncture analgesia. Progress in Neurobiology, v. 85, n. 4, p. 355-375, aug. 2008.



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